11 julho 2011

Um bolso cheio

Meu dia passa rápido quando estou distraído. Muitas vezes por dia fico distraído e não me preocupo com aquilo que me importa, com a única coisa que me importa, meu celular. Algum outro pensamento me toma a cabeça, a guerra na Líbia, o jogo do Palmeiras, se tem ou não comida na geladeira de casa, e passo um tempo absorto, distante, um tempo que não posso contar pois meu relógio é o celular, e se olhar para o celular para ver as horas ou contar o tempo de meu distanciamento vou me lembrar de meu celular e lembrar que estou esperando uma ligação, aquela ligação, ou qualquer ligação, no celular. Minha perna permanece ao lado de meu celular o dia inteiro, na altura da coxa. Ela quem vigia, quem fica responsável por mandar um impulso para meu cérebro, minha consciência, absorta ou alerta, com um recado claro e inequívoco: seu celular está tocando. É verdade que nem sempre isto funciona perfeitamente. Há vezes em que minha perna acusa a chamada quando é certo que ela não ocorreu, e outras tantas em que a vibração que aguardo sentinela passa despercebida pelo meu sistema nervoso inferior. Por isso existe a campainha, que mantenho ligada, sempre, menos no cinema ou no teatro os quais não freqüento muito, assim não corro o risco de minha perna falhar e perder o momento que com tanta ânsia esperei. Houve dias em que por descuido saí de casa sem meu aparelho celular. É raro que isto aconteça pois aquelas poucas gramas em meu bolso(esquerdo ou direito tanto faz, normalmente o esquerdo) são como uma parte de mim, uma parte de meu vestuário sem a qual sou menos útil, menos comunicável, menos carismático. Estar sem meu celular, ou sem um celular de quem quer que seja é extremamente desagradável. Sem um celular não posso receber chamadas e nem por isso deixo de aguardá-las, podem me ligar a qualquer momento e eu não estarei lá para atender. Chego mesmo a levar, num impulso, minhas mãos aos bolsos vazios, certo de que me chamam, de que uma mensagem nova aportou em minha inbox. Graças a deus quando isso acontece normalmente não há ninguém por perto, mesmo que a pessoa não note o gesto, meu constrangimento se derrama por todo lado. O aparelho celular é uma ferramenta simples, de baixo valor, pequena dimensão e infinita utilidade. Todo mundo hoje em dia tem celular. É por meio dele que trocamos informações sobre trabalho, declarações amorosas, organizamos encontros... Quando estou com meu celular sinto como se todo mundo que importa para mim estivesse próximo, e umas pessoas que não importam também. Me sinto querido. Muitas pessoas precisam ou querem falar comigo e para isso ligam no meu celular. Nem sempre posso atender, tenho muitos compromissos, mas se você me ligar e cair na caixa postal, fique tranqüilo que em breve lhe retorno, estou ansioso pra saber do que se trata. A bateria de meu celular está sempre carregada, não gosto de correr riscos. Mais importante do que o meu celular para mim só mesmo o marca-passo para um cardíaco, e mesmo assim duvido que ele gaste tanto tempo quanto eu pensando no aparelho. No meu peito sim, mora um celular, e não é por perigo de infarto, é por amor mesmo. Eu por mim, nem escrevia este texto, preferia declamar estas palavras ao microfone de meu celular, que é ótimo, e daria pra escutar muito bem. Gosto de imaginar onde meu interlocutor está falando quando fala comigo do celular dele. Pelos ruídos sei se ele está na rua, ou numa escola, ou num estádio, ou no barbeiro, ou com a mãe dele, ou no metrô, ou no banheiro, ou na balada, ou na cadeia...Celular não tem imagem(ainda!) mas nem precisa. A voz me dá tudo. A voz me diz tudo. É por isso que aguardo a próxima ligação, pode ser importante. Com certeza tem alguém querendo falar comigo neste momento, e essa pessoa vai me ligar. A não ser que não tenha meu número. Pra evitar que alguém que quer falar comigo não consiga falar comigo por não ter meu número eu dou meu número pra todo mundo. Assim eles podem me ligar. Meu número está na minha página do facebook, na do orkut e no meu currículo. Tenho um cartão da empresa com o meu nome e o número do meu celular. Não precisava ter posto o número do meu celular já que podem me encontrar ligando na empresa onde trabalho, tem um telefone na minha mesa, um telefone fixo. Mas como já dizia o ditado o seguro morreu de velho, nunca se sabe, algumas vezes por dia vou no banheiro, ou tomar água, ou falar com meu chefe, ou fumar um cigarro, todo dia tenho horário de almoço e não dá pra almoçar na minha mesa, porque está cheia de papéis, e afinal de contas tem uma copa no meu trabalho, onde todo mundo come, iriam achar estranho se eu comesse na minha mesa, não entenderiam se eu dissesse que estou esperando uma ligação. Todos os dias. Além do quê o telefone fixo é reconhecidamente uma ferramenta ultrapassada. Ele comunica apenas parcialmente, não recebe mensagens, não tem toques polifônicos. O fio que o liga à linha telefônica comum serve de metáfora à seu caráter aprisionante. Com meu telefone celular em qualquer lugar que esteja sou um cidadão da aldeia global. Sou encontrável por mim mesmo, como diria Clarice. A minha lista de contatos me liga a todas as pessoas relevantes deste mundo. Todos portadores de aparelhos celulares, conectados por um satélite, por milhares de satélites que estão perto de Deus e portanto devem ser anjos. Meu celular se liga com o céu, ele emite e recebe sinais, que eu não vejo, mas sinto que existem. Meu celular tudo sabe, tudo pode e está em todos os lugares onde funciona minha operadora. A luz que me guia no escuro vem de meu celular. É ele que me acorda todas as manhãs, é ele que canta em meus ouvidos músicas tão belas quando estou no metrô indo para casa. Esta pequena maravilha é o único motivo de ser eu quem sou, assim, desse jeito. Ele é meus olhos, minha boca, meu sexo. Meus cinco sentidos não valem seus dezesseis botões. Uma gratidão imensa dedico aos grandes homens da Ericsson, da Nokia, Samsung, LG, Motorola, e tantas outras! E tanto amor! A vida tem sentido com você no meu bolso, na minha bolsa. Desminto o sábio que disse um dia, na idade da pedra: morrer é não ser visto. Passado. Qualquer criança sabe, que na verdade, morrer é não ser contactado.

C.P.F.  - Caio Poeta Fariseu



 

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