11 janeiro 2015

Seu único fetiche é a mercadoria

é assim, você é assim
te falo de amor 
você me fala de dinheiro

te falo de tesão
você me fala em cartão
ó meu coração

te convido para ver o céu
você, ao contrário,
só quer ver meu extrato bancário

procuro as melhores palavras
no meu interior revolucionário
mas o que você quer mesmo
é um namorado milionário

se algum agrado lhe ofereço
tentando ser solidário
você ri e acha hilário
tudo o que pode comprar
meu salário proletário

devo ser mesmo um otário...
o que preciso para ter você?
uma tevê em doze vezes no carnê?
um celular 3G? uma câmera full HD?

ó, meu coração não faz amor a prazo
creio este ser o fim do nosso caso
eu de tudo tentei 

inclusive escrevi essa música para vossa senhoria
mas de que isso serviria?
se seu único fetiche é a mercadoria. 

ó, meu coração não faz amor a prazo
creio este ser o fim do nosso caso
eu de tudo tentei 

inclusive escrevi essa música para vossa senhoria
mas de que isso serviria?

se seu único fetiche é a mercadoria. 
Tico- Tico


Vende-se para não ver mais

aqui está o carnê.

obrigado.

obrigado senhor por comprar conosco.

escuta, deixe eu lhe dizer.

por favor.

sabe, isso de pagar no carnê, de parcelar as compras, 1 parcela por mês?

isso senhor, uma por mês.

me dá um negócio.

oi?

dá um não sei sabe?

não sei.

sabe?

senhor...

aqui ó...

senhor...

eu curto muito comprar. é o que me sustenta sabe? em muitos sentidos. você por exemplo, aqui, me dando este carnê...é sexy sabe?

senhor.

comprar é um prazer. você me entrega este prazer parcelado. em um prazo fixo eu vou lá e pimba. pago. cada vez um pouquinho mais, até...

até o senhor quitar.

é preciso se segurar, quitar só no limite.  fica calma, respira comigo...

senhor.

imagina, aquela tv ali ó, só imagina. fosse moça a tv. uma pitchula. de vestido. chego aqui amanhã, ou daqui a 30, 60, 90 dias. ela já dorme comigo. no meu quarto. todo esse tempo. já a sinto. mas o ritual, vir aqui, e o que isso representa para eu e ela em nossa vida comum, uma parcela, como fosse uma parte de sua estrutura que enfim me chega inteira, no que concerne ao desfrute, o tubo, os botões, despindo a tela tanto a tanto, essa nudez esclarecida, e você me dá esse carnê, logo fico contigo na lembrança e involuntariamente você virá à tona em mim quando esfregar meu controle remoto...

o senhor está parcelando uma churrasqueira.

tudo bem, não muda nada, a carne, o carnê, come on baby, frente a outras mercadorias  a carne é discreta, posso pô-la na boca no meio de todos, mordo e sugo o caldinho...

o senhor pode  se furar com esse espeto de churrasco na boca.

comprar é uma dor, eu compreendo isso. eu deixo que me penetre, é algo que você dá e recebe em troca, quanto mais dá mais recebe, em qualidade, em quantidade, se souber comprar, eu vejo algo de doação, de simbiose, os nossos fluídos, o fluir da mercadoria...

não posso conversar agora que tem fila moço. mas você pode olhar melhor a tv mais tarde, saio daqui umas 21h...

posso pegar no controle?

não sei, vamos ver o que rola...gosta de apertar botões?

eu fico zapeando, com a ponta do dedo, com essa base aqui, tá vendo?  leve, quase um carinho, os canais deslizam, aumento o volume, seus lábios me lembram uma entrada de vídeo...

hum...me sintoniza. senhor, aquela senhora aguardando ali atrás. não está com uma boa expressão. ela parece que vai desmaiar, conversamos depois, ok?

quero fazer com você tudo aos poucos.  to teso com crediário, credora safada, te quito de jeito...

próximo!

o senhor me dá licença?

calmaê senhora. deixa eu só falar um instantinho aqui que eu to devendo. vou te levar no SPC, com meu carnê na mão, com minha mão em você...e-le-tro-e-le-trô-ni-ca, suor, vou pagar três parcelas sem tirar de dentro...

ai, me segura...

segura ela moço!

vixi, a véia desmaiou...

o senhor segura ela aí que eu vou chamar o gerente...

vai lá, novinha, toma-te o lucro, me suga que eu sou consumidor...

ai...

acorda véia! vai lá se lambuzar com o seu crediário!

não...rapaz...me segura mais forte, assim. você deve bem...é um devedor...um devedão! ninfo. te proponho um trato amigo.  te pago tuas ganas até que me arrebente, e não demora muito obsolescer pra sempre este corpo senil. é isso que digo. me mata de amor e então para sempre me paga o jazigo.

o que fazer?



não há o que pensar. vamos. pagar sua morte, todas as parcelas, só de ouvir me tonteia, me dá calafrios...crédito bruto, a morte me endivida e a vida é sorte se sua morte nos une eternamente.

C. P. F. - Caio Poeta Fariseu