31 janeiro 2013

Longínquo Homem



Uma flor vermelha entre várias
Essa uma, solitária
Reluz como a estrela cadente
Que rompe a superfície
Do horizonte e ali, naquele ponto
Colide com mais um vagabundo
Triste e impotente

O asfalto da rua, sua cor
Resplandece coberto de vômito
Do longínquo homem que
Estilhaça do seu organismo
Qualquer vestígio da ressaca
Do dia anterior

Já não vale mais nada
Se o passo deixou de ter
A marca trepidante dum
Galope de elefante
Forjando no solo o peso
De mil vidas enterradas
Mil mortes disponíveis

E os rapazes afobados pelas ruas
E as garotas escarradas nas calçadas
E os velhos e as velhas estancados das janelas
E as crianças jogando nos parques
Ninguém olha pra ele


                                                                                                                             Zé Daniel
Alavancado de Prece por imaginação

As Sombras no Apartamento



A garrafa está sobre a mesa
O maço, também.
A TV segue ligada;
A mente, também.

Outra garrafa, agora cheia
A mente se esvazia
Com a esperança do próximo gole.
O cinzeiro ainda abarrotado de cinzas
E de outras mentiras.

As sombras do apartamento
São sorrateiras, mas você é mais forte
E elas sabem disso.
Mais um gole e elas se escondem
Atrás do balde de lixo,
Aguardam pelo momento certo
Para dar o bote e te derrubar,
E o seu copo não esvazia
E a fumaceira se mantém densa
E perigosa,
As sombras se confundem com ela
Pensando que ela é uma amiga na empreitada –
Assim como o álcool, que só faz da dança
Algo não tão desagradável.
Porém você não cai e segue
Desbaratinando as pobrezinhas.
Elas pensam que a sua solidão,
O descontentamento em estar ali,
A falta de iniciativa,
Tudo aquilo seriam apenas
Pontos fracos, armas contra você
E você, somente. Sem mais.
E é aí que você pega elas e destrona
Todas as expectativas.

Os trabalhos continuam
E algumas delas pedem um cigarro pra você
E sentam por perto,
Enquanto que outras vão embora...


                                                                                                                           Zé Daniel
Alavancado de 50 anos

30 janeiro 2013

As quero só


Não sabia mas
quando me pedem
que diga que
está tudo bem
que bom que
é assim que
estão indo
as coisas queridas
que quero
que cuide
se bem que
se assim é
é bom que
as quedas digo
sim sem saber
que está bem
com cara que
quase acredito.

C. P. F. - Caio Poeta Fariseu
Alavancado de Humanos...

25 janeiro 2013

Partirificar

O dia todo
deitado
parece que desisto,
semanas, meses...
hoje é quarta ou sexta?
Perdi,
esqueci,
deixei de contar.
Aqui têm TV,
estante,
mini-geladeira,
livros, revistas,
uma enfermeira
e seus restos
de janta

     -vão recolher.

A tarde ligam a TV
passa Cidade Alerta,
odeio este programa, mas não
consigo pedir
as palavras não saem
-deviam tirar esta porcaria do ar!
então vejo o caos das cidades
a maldade dos homens
o desabamento
dos morros, mães atordoadas
de paixão e tragédia
depois
novelas.

Deve ser difícil entender
assim, para quem me vê
este corpo
ou este quarto
são caixas vazias
pesam
um grama,
não fossem tantos sedativos
talvez doesse
talvez gritasse
ao invés disso fico vagando
por outros espaços
de mim
dentro
- é o que resta.

Toninho ao violão,
Sr. Alcides e seus filhas bonitas,
As tias com cheiro de tempero,
bandeirinhas no salão.
Minhas irmãs vestidas de festa,
formavam quadrilhas...
A corrente de casais
adentrava a noite
guiados por Betina
sorrindo
...
eu, o menino da família
deitava cedo
obrigado, em silêncio
no escuro,
cercado por camas
vazias
distante das conversas
ouvindo, sonado
antigas cantigas.
Desperto sozinho
Todos já se foram
há tantos anos.

Parece que desisti,
mas não.

Foram os homens
que chegaram certa noite
de chuva
organizaram cinquenta cadeiras
de forro vinho aveludado
ao redor de meu leito.
Vinte e cinco em cada lado.
Foram embora, eu fiquei olhando aquilo
por um tempo
atordoado.
As pessoas aos poucos chegavam,
sussurrando, procurando assentos
marcados.

     Será que não percebem,
     sequer se compadecem?
     Vieram assistir a invalidez
     do homem-vegetal? 

Então chegou Betina,
segurou-me a mão

    -Vamos, Manuel
    Dormir comigo?


Fui me
movendo
lentamente
arrastando pelo vento
ouvia, longe
o que poderiam ser
aplausos
ou a chuva forte
no telhado.











Sandra
Alavancado de

24 janeiro 2013

Rojo y Blanco



C. P. F. - Caio Poeta Fariseu
Alavancado de 50 anos.

Leve anda

Borboleteia entre pétalas
                             rubras
                    espalhando-se rubor
                                            em pólen.
Pois que pétalas,
               bem pestanejavam
                                         em seu vermelho.
                      Desejavam o calor
                      das cores
                                   d'outras flores em pó,
                      o adorno colorido
                      de suas asas.                      

Jurandir Dente d'ouro

alavancado de Estudo do Meio


22 janeiro 2013

50 anos

andava sempre com aquela camisa
vermelho-sangue agarrada ao peito
e crescia, crescia o medo
de ser julgado
Se os outros soubessem, o que fariam?
Sentiriam direito de arrancar
pedaços?
A carne saberia preservar-se
incorrompível?
A alma deu seu preço
vendeu-se
rendeu-se
às delícias
de ser dona de si
- sem resitência converteu
cada segundo
em centavos
Uma vida, em sua completude,
financiará
as viagens, as casas, os carros
e sonhos desejados?
Estarão prescritos nos pacotes
    os dias de infidelidade?
    a sensação de ser inútil?
    a dúvida em ter sido
e estar sendo dispensável?
O corpo
no espelho
erra
O corpo acaba sempre enganado.
sempre perde
amando errado
Podemos fechar os olhos,
abstrair, não inalar,
impedir a boca
de experimentar
mas é impossível ignorar o que sente
a pele
-sabe-se disso na tortura.
O medo é, por si só,
um sentimento de pele.
-relataram as testemunhas
Andavam sempre vestindo
camisetas vermelhas,
procuravam ser severamente punidos
por terem descido
tão fácil
e
tão baixo
um à um
seriam julgados?
se sim,
perguntariam
em coro definitivo:
- Saímos da vida
autores ou vítimas?




Sandra
alavancado de Déjà vu

13 janeiro 2013

Prece por imaginação


Pequenina ela se esconde ligeira.
Crê em tudo um pouco, na força dos ventos, no rebento das águas, no silêncio imperioso do sol.
Ela imagina que haverá um mundo novo. Dentro em breve, ele cavaleiro andante de tantos sonhos virá. Virá e salpicará pimenta nessas injustiças e as fará arder. Ela sorri cruel imaginado a dor. Princesa de outros contos, ela se imagina adulta, inventando a vida que nunca existiu. Ela se imagina errante, guerreira ao lado cavaleiro. Se imagina líquido que refrescando a vida de tantos sedentos, se imagina corpos de uma nação em luta. Mas ela não cabe em si e seus pés não equilibram seus sonhos. Ela cai, sempre cai.

E você nessa rua longa, nessa avenida cheia, passa por ela e nada vê, não sabe de nada que existe dentro dessa menina. A mãe dela ao lado, mão estendida, moedas num pote.
Pequenina ela se esconde ligeira para sonhar. As cores do farol são teu arco-íris. Ninguém sabe que que no fim do arco-íris que ela imagina dentro de si, não há pote de ouro, há sim um pote de coragem e é nele todo dia que essa princesa de outros contos, brinca de inventar seus mundos. A coragem e sua imaginação são como uma coisa só. Uma impede a outra de apodrecer junto aos lixos e tristezas da cidade. Por fim, ela ainda acha que pode voar, pois ela crê em tudo um pouco.

E da fé que nasce do desencontro entre o desejo e a realidade, ela vai se fazendo menina, se inventando mulher, vai desenhando as preces para um novo mundo. Pena que, por vezes, o corpo tomba, não se sabe se pelo excesso de sonhos ou pela  pouca sobrevivência da carne e a vida então, torna-se um único delírio.

Aquela

alavancado de Prece só.

Prece só.



Ofereço em minhas
preces falsas,
a angústia sincera
pra toda miséria.
e peço, ao passo
evidente de tantos apuros
o mais puro
acaso pensado.  
que a ânsia de que
se refaça a corrente
outrora renúncia,
a parte minha
dessa toda miséria.

Ofereço-me em troca caminho.
mesmo que pra saber da frente.
(as notícias do futuro aguardo)
 E quase anseio
um sumo doce
e riso um berro
em frente ao espelho.
Já que todo caminho
Reflete justo,
o meu olhar.

Mas donde anda fé,
onde o pé se firma?
Se o pé se firma em vento,
Acuso ao tempo a criação-de-tudo.
 E mudo, peço
força e leveza, vibrando
uma coragem confusa
que levita, não pisa.


 Jurandir Dente d'ouro.

alavancado de Acerca da felicidade








09 janeiro 2013

Primeira parte


        Ao contrário do que indicariam as mais básicas cartilhas não começarei a introduzir minha pessoa através de um nome qualquer. Na verdade darei inicio à tudo confessando um estranho costume que possuo. Você há de reconhecer ser no mínimo inusitada esta disposição de lhe revelar assim, logo de cara, aquilo que tantos julgam ser um grande defeito. Para diminuir o estranhamento e justificar esta facilidade explico que os acontecimentos que pretendo narrar exigem muito da minha franqueza. 
          O fato é que me alongo demais observando a tudo neste mundo, acabo um ser distante, calado demais. Me comporto como uma estrangeira incapaz de compreender falas, gestos. É quando levo a mão ao queixo e depois a deslizo pelo pescoço, detendo-a na garganta num movimento em que os dedos vem e vão, como uma massagem. Este é o  indício mais comum de que acredito ter passado o ponto de dizer qualquer coisa. Tal habito sempre causou irritação aos parentes, bem como em qualquer um que me acompanhe. Em minha defesa explico se tratar de uma força que envolve práticas antigas, fruto de uma infância gasta em longas pausas, solitárias. Dentre elas retomo como cenário a fazenda onde era possível percorrer longos pastos  e plantações estando sempre atenta aos buracos de saúvas.
         Lembro o fascínio que me causou ver pela primeira vez um enxame de Iças!  Parecem pequenos besouros e chegam formando uma nuvem negra.  Gastávamos litros de veneno no chão da fazenda. Era uma guerra perdida impedi-las de perfurar a terra e formar novos formigueiros, mas tentávamos.  Na intuito de amenizar os danos eu mesma matei centenas, esmagando-as contra a terra.
            (...)
            Parte desta historia começa em uma festa às seis horas da manhã. Estava encostada em uma parede porque nunca gostei de dançar. Com uma das mãos massageando o pescoço comecei a observar a dança dos outros. Se davam as costas, divididos em pequenas rodas. Porque não organizam um único circulo? Talvez todo ser urbano, se ordinário, já tenha se dado conta dos aspectos atrativos do anonimato! Fixei o olhar em uma moça. Como descrever? (...) Chamou minha atenção a expressão de seu rosto, era como um retrato preto e branco, daqueles que promovem ícones antigos, como Greta Garbo. Isso porque ela mirava algo longínquo, além do presente. Aparentava estar distante daquela sala neon, onde seu corpo guiado por um ritmo duro, eletrônico, respondia feito maquina. O olhar fixo às luzes no teto, presa ao desvelar de tantos outros mistérios possíveis.
        Acho bom esclarecer, não sou o tipo de gente que se esforça inutilmente em controlar os acontecimentos indecifráveis da vida,  mas procuro não poupar esforços quando se tratam das brincadeiras do espírito. Talvez por isso a simples existência daquela moça tenha me levado a acreditar que seu olhar portava um propósito, uma mensagem. Era preciso, portanto, registrar este momento e sua devida importância para esta história.
        Amanheceu no centro de São Paulo e os raios alaranjados da manhã adentraram a  festa. Fiquei aliviada pela nitidez proporcionada pela claridade. Decidi mudar de ambiente, fumar um cigarro na varanda. Acompanhar o dia nascer diante de uma paisagem célebre de São Paulo, o cruzamento da Avenida Ipiranga com a Avenida São João. Aqueles prédios antigos me causam estranhamento: o padrão arquitetônico não parece pertencer mais à esta cidade, é um recorte. Hoje os arranha céus com janelas espelhadas também geram estranhamento, mas por outros motivos. Os prédios do velho centro lembram aquele filme, "Janela indiscreta". Como se a realidade vivida atrás de cada janela aparentasse ser uma película colada ao interior dos buracos.  Assim, cenas matinais começavam a despontar em rápidas narrativas.
             Um homem vestido com um macacão jardineira surgiu na varanda, do outro lado da rua. Colheu algumas roupas do varal e se recolheu. "Este é meu suspeito!", pensei. Outro homem, desta vez alguns andares acima, saiu com um uma xícara na mão, encostou-se na grade e sorriu. 
           Foi diante dos prédios, do cigarro, do concreto e do falso suspeito que senti brotar um impulso, uma necessidade berrante de algo inexistente em minha compreensão, talvez neste mundo. Estava um pouco bêbada, confesso. Inquieta, resolvi descer à rua. O sol já havia esquentado o asfalto mas os comércios permaneceriam fechados, era feriado e portanto não lotariam as ruas como de costume. Em dias como esse é possível dizer que São Paulo ainda é capaz de  guardar remotamente os ares de uma cidade interiorana, embora as ruas da República sejam imundas e possuam um cheiro característico de lixo e mijo. Avistei as sacadas da festa em que estava à pouco, lá as pessoas ainda gritavam, bebiam e fumavam. Na calçada abaixo do prédio havia se formado um acampamento de mendigos, cercados por colchões manchados, jornais, cobertores velhos, garrafas plásticas, caixas de papelão, cachorros, sarna... Sobre eles caíram e ainda caiam algumas sobras da festa. Latinhas, bitucas, fitas verdes e vermelhas, até uma máscara...Apesar da chuva de objetos e do calor severo todos dormiam profundamente com os rostos projetados para cima, as bocas abertas eram buracos expostos por onde entravam e saiam moscas...aparentavam vida pois respiravam, mas a máscara...era uma caveira de Ensor, que coincidência tenebrosa.
          Para esclarecer a natureza desconcertante desta imagem é preciso dizer que hoje se faz necessário lutar contra melancolia como quem luta contra um enxame de iças. As  mazelas tem a forma de formigueiros antigos, com suas centenas de bocas e labirintos subterrâneos. É necessário pontuar e entender para amenizar os danos. Desacelerar este estado de constante ataque cardia e ansiedade desmedida que nos empobrece e faz adoecer. É a cansativa tarefa de permanecer atento para não ser incompleto na superficialidade, mas não tão atento a ponto de se deixar abater. Trata-se de ser feliz, é isso! Basta ser leve, dizem. 
              Mas não, isso não funciona.
             Me causa desconforto a rasa dualidade com a qual se compreende a vida. A leveza em prol da felicidade. É preciso eliminar o "versus", a disputa diante da qual a morte vem a ser um estado negativo, assim como o peso.  A morte simplificada à feiura e degenerescência. No entanto é preciso rir da morte se possível. Rir como riem as caveiras, compreendendo a naturalidade desta condenação universal. Somos frágeis, duraremos pouco e esta lanterna* que nos ilumina a razão se apagará a qualquer dia. Deixaremos de ver as luzes tingindo as nuvens de laranja, mas até lá tantos ainda verão repetidas e repetidas vezes o pôr do sol  que muitos deles passarão como um espetáculo sem nota, sem registro.      
            Por isso a necessidade de ser estrangeira e tentar fotografar tudo. E quando digo fotografar não me refiro ao gesto mecânico, faço referência à contemplação, ao desenho mental. Tentarei explicar. 

(...)

Sandra Mazzini
Alavancado de Humanos...

Humanos...



Ter opções para o que fazer
Com a minha vida
Não coloca nada em perspectiva;
Só torna pior,
A cada segundo de indecisão,
A certeza de que,
Eventualmente,
Eu vou morrer.

E o que será que eu
Deixarei para o mundo?

Deveria largar por aqui alguma coisa
Qualquer que seja
Que certifique a todos que eu dei as caras,
Sim, estive aqui de verdade?
E daí? Quem liga pra isso?

Quem sentiria falta de mim?
De algo que eu tenha realizado, ou mesmo
Deixado de realizar?
Saudades de quê, quem?
Por que, pra que, pra quem?
De ou por algo maior que eu?
Menor?

Pra quem eu vivi?
Se não me houvesse mais nenhum
Resquício de ar perfumado nos pulmões,
A quem seria dedicado
Meu último suspiro, o derradeiro?

As lágrimas,
O sangue,
O pus e as fezes,
A cerveja,
O cigarro,
Foi tudo pra quem?

Se alguém me perguntasse essas coisas,
Só poderia responder com um pesar alegre
Que a mistura de reações e relações
Passadas presenteadas e porvindas
Me causaram, em todos os momentos,
As sensações mais confusas e festivas,
Forçadas e mais que espontâneas,
Impassíveis de serem listadas
Em um rol de sentimentos
Que afligem os seres humanos.
Humanos...

Tento evitar a minha discórdia
Com a espécie mais idiota do planeta
Para chegar a uma (in)conclusão:
As opções que tenho, não as possuo
De fato.

Os caminhos que empurraram meus pés
Até aqui,
Até este instante de brilho tímido e efêmero,
Me mostram que as opções
Com as quais me deparo,
Não tenho que escolher entre elas –
Até porque, como já disse, não as possuo.

A primeira opção que fiz,
A natureza que inventei para mim mesmo,
Não permite que eu decida
Entre uma ou outra;
Todas elas, por enormes que pareçam,
Me constituem em qualquer das minhas
Descontruções

É a elas que recorro,
Antes de tudo.

Logo não me resta “escolha”,
A não ser deixar que elas assumam
Seu rumo; o que sobra para mim
É evitar que a insegurança e a preguiça
Envolvam seus braços sobre meu corpo
E minha mente
Obscurecendo as minhas emoções,
Fazendo delas inutilmente impossíveis
De serem sentidas

                                                                                                                               Zé Daniel
Alavancado de Viajante.