28 novembro 2012

A crise psicossomática do Bicho Papão comedor de Salmão


Uma vez debruçado a beira-rio, beiçando um belo de um peixe quase vermelho-róseo, pôs-se a sentir um arrepio na espinha. Coa traquéia aberta, ajudado pela língua, o quase róseo-escamoso pôs-se a mergulhar em suco gástrico de estômago oco pronto pra corrocomê-lo. A questão é que o do papo grande, longe do aconchego do lar - um embaixo de cama, ou até um armário qualquer -, teria tempo de não ser tão prático pra bem filosofar sem saber responder, se era a tua espinha que arrepiava com o peixe, ou a espinha do peixe que te arrepiava.


R.G.

Alavancado de Piscicultura - A Cultura do Peixe

27 novembro 2012

Déjà vu

                                                                                                                                                 
Edifícios que cortam a vista,
Sussurram por entre os caminhos que formam,
O cheiro antigo
Das suas paisagens.
Abraçam passantes,
As mensagens secretas de
suas paredes
aos olhos saudosos
 de todos que passam.

É como se no mesmo caminho,
Suspenso um segundo no tempo,
Vivesse sincero o destino passado,
No gosto do rumo que já não se faz

Jurandir Dente d'ouro

22 novembro 2012

Grandiloqüencia

Mergulha n' ácida
falta de sentido
pra que a fuça cega,
se entorpeça
o quanto cedo

O foco onde a razão confusa,
desfere fúrias em plena lucidez.
O ponto certo da expressão difusa
Concentra-se à firme e danosa altivez.

Eloquência tola,
cala fundo
a qualquer canto de sabedoria.
Encanta-se engano
aplauso sórdido sobraria
às vagas vastas
palavras inóspitas
proferidas por vaidade,
ressoam apenas a si
o som da própria voz.

Embevecida gente escrava,
presa a porta
de seu ego atroz.


                                                                                 Jurandir Dente d'ouro


18 novembro 2012

O Sol Desceu


O sol desceu
Vermelho, radiante, faiscando, pululando em centelhas
Ardilosas e que poderiam dar cabo de tudo
Em um piscar de olhos, sem vestígios
Ou lágrimas

Os neohippies e afins,
Que empacotam sua good vibe e suas crenças
Em sacolas recicláveis das boutiques
E mercados de almas, aplaudem;
Os outros passantes observam de soslaio
Entediados, e os estrangeiros ficam ali,
Um ou outro entrando na onda

E as ondas recortam a praia ao seu bel-prazer
O mar ao fundo rabisca uma grossa linha que
Se estende ao longo da baía açoitada, com
Alguns retalhos de ilhas e uns petroleiros gigantes
Que transportam o sangue
Das novas safras de humanos por todo o mundo –
Porque, afinal, produzir novas bocas e cus não
Implica necessariamente em alimentá-los todos...

Num momento pungente, as nuvens ardem em fogo:
As aves fogem, espertas,
e os bichos da praia mergulham profusamente nas camadas
ocultas das areias
aquelas nuvens que antes exibiam tons gris e
esbranquiçados
agora flamulavam em chamas indecorosas e vorazes
engolindo umas às outras, grandes ondas de calor gorgolejante

à medida que aquela grande massa de fogo
se aprumava pelo tapete do céu refém,
toda a extensão visível de água subia lentamente
e domava o fogo em um cerco gigantesco de fumaça,
alguns peixes se salvaram e outros flutuavam
tostadinhos sem vida e sem olhos
a batalha do céu espelhado caminhou por horas a fio

até que, de súbito, aquela aguaceira toda
se desfez em uma queda portentosa e acometeu
tudo o que havia abaixo em uma submersão
desavisada e desregrada, prédios e casas e carros
e postes e igrejas e repartições públicas, completa hecatombe
moral da natureza, tudo morreu
e o céu estava limpo de novo,
recheado da escuridão habitual
que a rotação da Terra lhe empresta
vez por outra;

e o mar mais uma vez encontrava seu curso,
sem partida e sem chegada;
e as ruas aparentavam cemitérios
de uma guerra santa;
e os morros eram grandes escorregadores para os deuses.

Foi quando peguei meu carro e
Parti...

Zé  Daniel

Alavancado de Estudo do Meio.

16 novembro 2012

Estudo do Meio

Nos pés visto veludo rubro.
Persevero amenizar
a passagem.
Meu eufemismo-anteparo
anoitece-me amortece-me
(fios de arame)
o meio rude.

Poupo polpa e calos
cobrir metatarso.
Resvalo o apoio à funda
vala respira,
(do plano faz-se duna)
andança oscilar.

Cascalho vítreo
Afia-se em meu pisar.

Deitasse logo não
houvera risco.
E o meio transformar-se-ia
para ser: se me toque
o vivo o vidro o clima.

Restar pleno,
ser modelo,
do retardar agonia.
E assim cômodo
como sem medo.
Calçado-mentira,
não guarda a retina...
Todo caco
em facho ofusca
solo hostil!

Ileso e cego seguir
elejo a paúra guia,
encerro por aqui.

Encerro por aqui.

C. P. F. - Caio Poeta Fariseu

05 novembro 2012

Bananas do Inverso


E plantar bananeiras?
Quem planta bananeiras?
Não sei plantar bananeira. Nem mesmo compreendo esse termo.
É jogar pernas ao ar e sustentar-se nos membros superiores,
então membros inferiores, invertidos pés e mãos?
Dúvida.
São as folhas da bananeira que se movem como pernas incertas por equilíbrio?
Será o saco escrotal cacho na metáfora?
Serão os pulsos finos caules sustentosos?
Plantar bananeiras...
E os bananeiros? Bóias-frias, plantadores de bananas.
Plantam bananeiras ao plantar bananas?
Vêem o revés do mundo no trabalho diário,
todo dia, tudo ao contrário?
Plantar, colher,
o ato de receber,
paga da natureza por bom comportamento,
mundo cárcere.
Desenviesar o invés, subindo ao topo,
ou mesmo fisgando na ponta de foices longas,
bananas do inverso, pencas de oposição.
Plantar implantes, brotar apêndices,
sonhos embalados em potássio sob um céu que é chão.
Plantar bananeiras é caminhar em nuvens?
São estrelas os homens, São Paulo constelação?
Sé berço de galáxias? Beiral do universo o Capão?
Bananeiros celestes respondam-me:
cá somos cadentes candeias de fogo,
ou inertes gemas mortas, dantes distantes, logro de tua visão?

C. P. F.  - Caio Poeta Fariseu


04 novembro 2012

Piscicultura - A Cultura do Peixe

O peixe pensou alto e lhe pescaram o devaneio. Logo podemos dizer que o devaneio gosta de minhoca. O devaneio que sabia a que vinha, foi dizer mas não disse, e sobre a grelha já não cabia mais senão, só sal e limão. Todos à mesa logo se espantaram, que o juízo-petisco escorregava na boca. Promíscuo, de sabor esquivo, o devaneio controvertia a família em veraneio:
- Digo salmão...
- Nunca, é agri-doce.   
- Mas deixem, vocês sabem que é tainha...
- Linguado?
- Amendoim!
- O menino delira.
- Que papo é esse de salmão? Me deram sardinha!
Era um devaneio de mil cores, e cabeças, plurigostoso, de gosto cheio. Vindo de um peixe que não sentia sua falta, uma vez pensado(e pescado), já não lhe pertencia. Havia quem dissesse que era rã, água-viva, maiô perdido, banana-boat. Que era duro, saliente, encorpado, maleável, gosmento, espumante, crocante e banal.  E importante, e ridículo, e vivo, e mineral, e excessivo, e escuro, e translúcido, ácido, tácito, clássico, dinástico... e até que parecia pensamento de peixe... 
A família não gastou muitas palavras, nem gostou. Não havia o que discutir, a cada um sua língua. Apenas o tio solteiro - que mais da pesca e de peixe sabia - inculcado, fez de sua careca um berço, e deu a luz à uma resposta sobre o feito do pensamento paladaresco, resposta que aqui não vem ao caso. O menino, que ainda mascava o último filete de idéia marinha - ora bife a rolê, ora maçã do amor - foi o único que viu a resposta escorregar pelas costas do tio e nos braços de ondas e ondas apagar-se no mar. 

Dali a pouco pescaram a resposta e o menino, diligente, foi a procura de quem, lhe levar a pergunta. 
Sua mãe, a esta altura empanada, o segurou de leve pelo braço. Era tarde. Deixasse de tolice. Ainda hoje iriam enfrentar a Anhanguera. 

C. P. F. - Caio Poeta Fariseu

Alavancado de Por mais que.

A água do chuveiro (ânsias vampirescas)

A água do chuveiro até que caia fria e o sol esmigalhado que perfurava a pele incandescente como se os poros se abrissem para absorver toda a quentura e liberar a energia pulverizada em suor. Ela saiu do banho trajando apenas uma toalha que ficava a meio-palmo do chão, um pouco acima de seus dedos mordiscantes dos pés alvejados pelos feixes de luz solar que escapavam em meio aos vorazes buraquinhos carcomidos da cortina vermelha que protege a vida privada privada privada dos narizes bocas e ouvidos que trafegam pelas ruas recalcadas e zombeteiras. A toalha subia até seus seios rebordosos e uma pele bem marronzinha, aquele pano meio sujo que só reposicionava o asco do cotidiano se preocupava em salientar os contornos de seu corpo ainda rijo embora a meia-idade. O homem que vivia lá já não jazia seu corpo (seus músculos e impaciência) pelo lar, mas a presença dele ainda fazia-se costurada em cada gesto receoso e esmerado da moça. Os momentos de tranqüilidade recostada na grade da pequena sacada do apartamento eram entrecortados por jorros sensitivos misturados entre a calma excitante que amortecia o ambiente e a espera não tão satisfeita pelo homem, o metido a provedor. A louça e as roupas por passar e o arroz e feijão esquentando nas panelas borbulhantes e escarnecidas traziam pensamentos vazios e inoxidáveis de amor e ânsia pela vida deflagrada em torres e calçadas e palavras de gozo e alegria, a cerveja e sua indubitável vontade de talvez largar tudo e... – até que a imagem chamuscada daquele homem enfadonho e empertigado de EMPREGO -, aquela miragem falha incomodava seu âmago e ela não tinha idéia do que fazer para melhorar a situação, ou mesmo como deixar aquilo tudo para trás. Tinha planos, de certa forma, mas não se projetava sobre eles com todo o vigor que imaginava ter. Não era bem a preguiça que a dominava... A uma quadra de seu prédio havia um bar. O condomínio em que ela vivia com aquele homem era composto de dois prédios, cada um com 12 andares, pintados recentemente de um verde-bosta horrendo, mas normal e nada ultrajante. Afinal, é bosta mesmo. As salas comunais já eram tomadas de uma ausência fantasmagórica de crianças e jovens querendo fazer alguma coisa, juntos ou não, fazer algo sossegado como conversar horas a fio pela madrugada sob tons inebriantes de cinza e verde e uma cor pastel que camufla a maioria das salas desse tipo pelo prédio e a inocência desfigurada de alguns dos jovens que passavam por ali. Isso, ou chamar um parceiro ou parceira e se esconder nos cantos do pretume da noite aonde a câmera de vigilância não consegue alcançar suas ânsias vampirescas e áureas. De qualquer forma, um prédio tranqüilo e normal, como a maioria dos prédios da região. Mas a mulher não ligava muito pra isso. Ela não passava seu tempo nesses salões. Ficava mesmo em casa ou na rua, particularmente dividia suas atividades entre as tarefas de casa e a mesa simpática do bar, que ficava a 200 metros da porta do prédio. Lá tinha amigos. Amigos dela e daquele homem, mas mais amigos dela mesmo, já que era ela quem sempre estava por ali. Além disso, não eram do tipo que insistiam em fazê-la recordar de seus afazeres domésticos e muito menos de algumas das surras que levava de seu homem. Ele passava o dia longe dela, no trabalho. Estranhamente era um homem que gostava de seu emprego como uma mula ama transportar o peso dos outros no agreste: vai levando, vai levando (ai, se Guimarães me ouvisse agora...). Ele tinha lá suas distrações, amigos e uma secretária ou outra que embrulhava sua mente até a próxima visita ao toalete, as janelas que miravam o centro da cidade... e o prédio do lado, onde haviam outras secretárias e executivas que colocavam o cérebro dele pra trabalhar, de verdade. O chefe mala mas inofensivo, sem que isso lhe impusesse qualquer perigo, quer dizer a covardia e calhordice do bundão que sentava na sala maior, mas com culhões que deixavam a desejar – diziam os boatos entre as secretárias e arrumadeiras do andar. E tudo isso se seguia na sua rotina de escritório, sem muito futuro ou vantagem pra ninguém, mal lembrando daquela que o espera em casa, ou como era mais freqüente, no bar! Só pensa nela quando entra no ônibus lotado e esbarra naquela gorda desagradável de sempre ou naquela amiga dela bonitinha que desce dois pontos antes dele. Quando se trombam no ônibus, a conversa é sempre agradável e eles até deixam um pouco de lado o fato de que tem um gordinho folgado e careca que fica encoxando ela nas curvas, largando-se contra ela. Vai ver é por isso: tem alguma coisa aí, nesse toque brusco e repentino, que provoca inércia e êxtase nos dois. Ela desce na sua parada e é como se nada tivesse acontecido, nunca aconteceu. E ele: para ele, só resta aquela dureza que perdura do momento em que ele encontra sua mulher no bar aos risos com o resto do mundo até o dia seguinte, na hora em que ele a deixa dormindo na cama se recuperando do porre e sai pela portaria do condomínio sorrateiramente. Essa mulher agora só se lembra do tempo em que já havia se apaixonado pelo seu HOMEM – se é que algum dia o tenha sido de fato apaixonada por este homem que pensa que ela é dele como um trocado encontrado na sarjeta de alguma avenida enluarada da cidade grande. Desses tempos, aliás, ela lembra mais de como era apaixonada cegamente pelo mundo e tudo o que ela queria fazer. Todos os outros homens com quem esteve, e agora estava presa com este único. Os trabalhos que teve e aqueles que deixou de ter; enfim, um momento longínquo e ávido no qual as coisas realmente existiam e aconteciam. Dias meses e anos nos quais as suas mãos olhos pernas e boceta não eram tão somente aparatos putrefatos e cansados de executar sempre e sempre as mesmas tarefas, os mesmos lixos e roupas amassadas e panelas queimadas e pintos gravitados em pura merda despercebida de sua pureza. Ela sentia falta de muuuitas coisas, menos do dia de hoje, e de ontem e do amanhã igual ao que foi o mesmo ontem. E hoje. Só conseguia encontrar algum conforto nas horas em que não estava em casa, desarrumada e sem sobressaltos. No bar, pelo menos se via diante de algo prestes a acontecer sem fazer alarde ou qualquer menção já calculada, como seu marido chegando e o repentino tilintar das chaves. Naquela mesa, gostava de observar tudo, sentir tudo, cheirar tudo, tocar (quase) tudo e opinar sobre o que quer que lhe atinasse os sentidos e as emoções. Os ex-maridos carniceiros das amigas, os garotos que também sempre aparecem por ali e gostam de sentar-se à mesa ao lado pra tirar um sarro e quem sabe puxar uma conversa bem interesseira, um flerte, dois e algumas mãos bobas pra se sentir ouriçada novamente, sem razão para temer nada, só o imprevisto de uma eventual ida ao banheiro e por um acaso bem acidental esbarrar com um dos garotos, jovens e complexados, querendo dizer alguma coisa mas nunca sabendo bem o que é essa coisa interdita e confusa e perplexa. Ela sabe, tem as palavras milimetradas na ponta da língua, guarda pra si a certeza de que sabe de alguma coisa que esses garotos não sabem, só que também as evita, e ainda não recorda bem o por quê disso.

Zé Daniel
Alavancado de Antes do sol acordar.