31 maio 2012

Cimento Fresco

Era de carne
Mas feito mármore
Luzia nobre.
Seu nome Gracindo
Alcunha galante que mentindo
negava: era pobre.

E pelo dito nome de batismo
Se orgulhava de peito cheio
Nome viril, sem rodeios
Três sílabas de lirismo.
Tanto o encantava
Que com o dedo gordo
Desenhou  no cimento fresco
As três sílabas de seu gosto.
Sob sua porta ficou marcado
Gracindo, 21 de agosto.

Parede com parede
Janete doce vizinha
Nunca viu o afresco
De Gracindo, uma gracinha.
Nem se visse se importava
O brilho próprio
Do outro fazia entulho
Janete também era orgulho
de si, e de seu mundo róseo.

A calha comum que aos dois inundava
Nunca teve solução.
Nem o bueiro que entupia
Nem os ratos que abundavam
Nem o sono dos dois
Pois o vizinho funkeiro
A segurança da rua
O carteiro
O lixeiro
O IPTU sem atualização
O gás,  as crianças
E as casas vazias
E o fogo, e o fogo
E a calha comum ao chão.
O nome perdido entre os escombros.

Sem paredes entre,
choraram sozinhos.

C. P. F. - Caio Poeta Fariseu


26 maio 2012

Caravelas


CONTEMPLADOR 1 -  Que buzina é essa que aponta longe? Será a Dutra? Aonde estará a Dutra? Quanto dista daqui?

CONTEMPLADOR 2 - De que lhe vale este dado? Esteja.

CONTEMPLADOR 1 - Estou. Mas a buzina me intriga. É instável, o som dos carros não forma um ruído uniforme aqui. Não me sinto seguro na geografia do som.

CONTEMPLADOR 2 - Então não se sente seguro.

CONTEMPLADOR 1 - Quero me localizar, não controlo o impulso de me localizar.

CONTEMPLADOR 2 - Onde você está?

CONTEMPLADOR 1 - Em um quarto de hotel, no interior. As paredes são amareladas, e ainda seriam amareladas sem esta luz incandescente. Há uma uniformidade de tons, amarelados, do chão de tacos, ao rodapé, um criado-mudo de madeira, uma pequena mesa com uma cadeira de encosto alto, de madeira. Um guarda-roupa, com uma única porta, a colcha das duas camas de solteiro.

CONTEMPLADOR 2 - O chão de tacos e os móveis de madeira são de cor escura e não...

CONTEMPLADOR 1 - Amarelados. São amarelados pois fazem parte deste espaço, onde há uma unidade. Este amarelo os une. Sou a parte não-amarela deste quarto. A parte que se move. Todo resto está contra mim.

CONTEMPLADOR 2 - Apodere-se.

CONTEMPLADOR 1 - Não falei da cortina. Está mais para laranja. Compõe com o quarto. Uma ambientação transversal. Deveras desagradável. Também não falei da única peça ornamental, a coroa do desenho, a reprodução de uma xilogravura onde se vê uma igreja de estilo colonial e uma pequena cidade.
CONTEMPLADOR 2 - A cidade onde você está.

CONTEMPLADOR 1 - Não sei, há muitas assim. É um retrato bucólico, isto é um lugar. Aqui nesta cidade me sinto em lugar algum.

CONTEMPLADOR 2 - Mas você está em algum lugar.

CONTEMPLADOR 1 - Vou me sentir melhor quando dormir, para o sonho há sempre volta. 

CONTEMPLADOR 2 - Não está se esforçando. Está vendo realmente as coisas? O que pergunta para o espaço? Por que não espera a sua resposta?

Nome do exercício: Homem-bomba



Um dos participantes é vendado e deve percorrer o espaço, desviando-se imediatamente ao entrar em contato com os demais participantes ou os objetos espalhados pelo espaço. Deve se afastar rapidamente porque em contato com qualquer coisa, torna-se uma bomba prestes a explodir. Além do vendado, temos mais três participantes e também. dois bichos de pelúcia grandes - um cachorro e um urso branco de pijamas. O participante A começa a caminhar e contar uma narrativa, que se segue:

Padmé Ashoka seria o próximo. Já estava tudo pronto: sua família receberia o dinheiro assim que a bomba explodisse. Os contratantes queriam ter certeza que Padmé não desistiria no último momento. Pois é comum acontecer, embora poucos saibam, que do homem-bomba desistir da explosão assim que encara os passageiros do ônibus, ou sente-se comovido e saudoso com a brincadeira das crianças na praça, ou ainda quando repara o olhar de curiosidade que os turistas despejam a coisas que lhe parecem tão banais. Mas Padmé não desistirá. Ele tem um ideal, não abriria mão da missão, muito menos das virgens e de todo mel que receberá quando atingir o paraíso. Padmé sente medo, lembra da mãe e das irmãs, pensa se realmente receberão o dinheiro, se sentirá algum tipo de dor ou se será como piscar os olhos e de repente estará dentro do paraíso, em frente a Alá. Padmé sente medo e

A narrativa é interrompida pelo Participante A que sobe no cachorro de pelúcia e permanece ali por alguns segundos.


Arara Teresa



Alavancado de Nitro-trocado