28 março 2014

Anti-herói



Felicidade e coleções         


 cemitério


 rosto entre pétalas


de um anti-herói distante


no bolso


o ódio contrafeito


não  garante


aberturas no céu


daqui


em diante








alavancado de Racionamento emocional

24 março 2014

Racionamento emocional

Recolhedores de risos
catando aos montes
o quanto aguentam
das ruas, festas e
das poucas fotos espontâneas
Lavam risos reciclados
e espalham
em prateleiras
pra que sejam brancos
os risos nas caras deslavadas.
(todas)
que paguem por uma risadinha.
Colhedores de choro cinzento.
É com profundo pesar
que tocamos no assunto.
Lágrimas que escorrem
conta gotas
num porquinho
de plástico.
Economia dos fluidos,
Tanto mais importante
se houver um fundo
emocional.
Tempos duros.
Racionamos pois,
em escala social
o deleite de emoções.
Sustentabilidade
sub-cutânea.

                                                                                                                        Jurandir Dente d'ouro

alavancado de Aterro

Não amasse a rima moça mansa

Não sente
no meu repente
non sense
que amassa 
a rima moça.

Não tente
parar a vertente
inocente
que arruína a casa
e empoça a boca.

Tão rente
lhe passa dos dentes
às vezes
que lasca
os molares de louça.

Não vende
essa estrofe caliente
pra camisinha Prudence
dizer que não vaza
seja quanto foda.

Pois gente
vou encerrar de repente
e esse poema pra sempre
vai ser faca
e o queijo
a testa
de um trouxa.

C. P. F. - Caio Poeta Fariseu

Aterro

Te dei todos os valores
em meu coquetel
de suspiros proscritos. 
Não me custava nada 
dar, e você se amoldava
no valor impingido.

Por onde passou, 
quase que os lugares
por onde te empurrei,
meus desenhos em cores
da rua, você uma peça
não lembro se fui
eu que te
recortei.

Pois seu limite
adentro de meu delírio
ficava no milímetro
exato da dúvida.

Não é minha cultura.

À deriva vejo
teu vulto submerso
sob a reflexa cidade.
Então você 
que nem está aqui
é já mar, é já vasta
na fronteira 
entre tudo e nada.
Infinita que só
submerge no instante
sem paga,
inquilina de meu hotel
sem vagas,
sua ausência
presente em cada
gota d'água.

C. P. F. - Caio Poeta Fariseu
Alavancado de Água corrente.

Caqui caduco

Um fruto verde
desmistifica 
o fruto podre
preso com concreto
ao peito coldre.

Sob pó e pólvora 
poemas.
Um carpete sujo de mamão.
Por entre artérias,
aracnídeas teias,
vestíbulos-veias,
um par de vermes,
e sístoles imprecisas
imprestáveis.

Choro retido é chorume.
A gangrena da fruta
tem desenho de culpa.
No sofá da sala, incólume,
cruza os braços um escárnio 
que parece humano.
Face magra,
faca cega,
faz que chega a ser
quando é só inércia.

O câncer é um amor que transborda.
Aquele é um condenado sem corda.
Há pencas de maturidades sadias
e jacas pútridas em galhos secos.
Ética das salas vazias.

C. P. F. - Caio Poeta Fariseu
Alavancado de elegia à desilusão

Apontamentos sobre o papo de brinquedo

1. Preste mais atenção no outro do que este presta em você. Pergunte, se interesse. É necessário antecipar suas reações, é necessário aparentar que o conhece profundamente, ainda que nunca o tenha visto. Provocar a sensação da intimidade milenar. Não em termos biográficos, nos termos da infinitude do momento. Tudo o que este demonstrar no momento é matéria factual, inconteste. Como que sugando o outro para o aqui e agora, corporificando um reflexo, um estímulo à ancoragem deste outro neste instante. Ser observado desperta a consciência do corpo presente, da qual resulta uma inevitável descarga de prazer. É o teatro do avesso, filho carnavalesco, prática da máscara reflexa a revelar a máscara geral. Este outro, espectador mascarado, só poderá sorrir, já que o disfarce é signo da festa, evento que escava nos corpos saudade. 

2. Há no entanto uma dimensão temporal no papo de brinquedo. Trata-se do agora, sim. Porém o agora anda. A atenção empenhada não aponta ao subjetivo deste outro, embora o cubra de confetes. É a atenção arqueológica de uma breve relação.  Faça lista  e enumere hesitações, desconcertos, malentendidos e cumplicidades. O brincante há de erguer diagramas que contenham tudo que se possa coletivamente recordar. A arte do brinquedo é dinâmica, de percurso cíclico. Trajeto que, ao evidenciar que desenhamos a história juntos, aquece esta intimidade de feira. 

3. Contudo o papo de brinquedo só existe através da arte do ocultar. Não para manter nada oculto. A graça do mistério é seu caráter narrativo, sua vocação para a luz do dia. Um mistério há de se desnudar, pois somente elucidado cumpre consigo, com sua sina. Entre esconder e mostrar se goza. Já diria a cópula. Em termos de tática:
De uma bobagem completa qualquer se acena o rabicho, via de regra patético, por vezes incompreensível. É de bom tom ser alvo de chacota pela besteira dita, assim como corporificar a decepção pela falta, ao que deve seguir, sob a intuição do máximo contraste, o descortinar desta bobagem plena, em todos os sentidos desconforme com o rabicho ora apontado, como se toda pequena bobagem guardasse uma imensa bobagem dentro de si. E voltando-nos sobre o que dissemos para constatar incongruências, voltamos à intimidade, estamos. Se o que não está aqui não nos assombra, nos sentimos em casa.
4. O papo de brinquedo, como se pode perceber, é uma atividade coletiva. Brinca-se a dois ou mais, sem limites, assim como sem noções de atividade/passividade. Pode-se convidar alguém para brincar como se convidam nos bailes de salão. Aceito o convite, já não se sabe quem é Colombina, quem chora no meio da multidão.

5.  No brinquedo se comunga de um tempo emplumado despido das vestes pesadas do resto do tempo.
C. P. F. - Caio Poeta Fariseu

21 março 2014

elegia à desilusão

obrigado minha dor
você que me acompanha,
âmago das minhas entranhas,
por me dizer
por fazer haver
um algo que, sem você,
não seria sentido
não teria sentido

obrigado minha dor
você que é campanha,
cheia de artimanhas
do saber de coisas estranhas
por me refazer
por me aquecer 
com a chama do por quê

que me salva do repetido
que nos leva ao desatino
quando uma obsessão
longe de ser uma opção
vem a ser um padrão
mera ilusão
de um coração
abatido

curva de B.R.

alavancado por Pronto Para Sumir

18 março 2014

Pronto Para Sumir

Quando me deparo com
as nuvens cinzas esbranquiçadas e fofas
contrastando com o resto do céu azul e límpido no horizonte,
vejo montanhas colossais e conspícuas
que urgem por exploração, por pegadas
e marcas sudorentas de gotas na superfície calosa e poeirenta,
prontas para sumir...

Quero subi-las arduamente - aquelas montanhas -
e cruzar suas pradarias e
escalar suas paredes incontáveis
e deitar sob suas árvores ali paradas
no meio do caminho,
no caminho do meio,
e seguir a subida: subir subir e subir
até quaisquer de seus ápices distantes e alvos.
depois de tanto subir e arfar e
"viajar" mirando meus pés ao fazer o caminho das pedras,
como uma espécie de recompensa divina por saber sonhar,
deslizarei encosta abaixo rumo aos infinitos do mundo sobre as dobras macias
das rochas que compõem a paisagem
e os desfiladeiros morosos
que fazem de mim uma criança novamente,
descendo um escorregador sem fim. 


                                                                                                                           Zé Daniel

Alavancado de reflexão n2

Deus Ex Ars

E milhares de sóis
pulularam pelos céus arroxeados deste mundo
e voltaram seus horripilantes e holofóticos raios
para as igrejas vorazes dos homens - Guardiãs da Verdade Roubada.

Logo, tudo não passava de uma miragem asfaltada
em que anjos gigantes roubavam nossas mentes
enquanto havia tempo:
enquanto os cérebros ainda não viravam água escaldante
em borbulhas
sob a influência do fogo dos astros rebeldes

 
(eis que a vida parecia
mais simples e grotesca...)

                                                                                                                          Zé Daniel

Alavancado do Poeta de Rua