24 março 2014

Apontamentos sobre o papo de brinquedo

1. Preste mais atenção no outro do que este presta em você. Pergunte, se interesse. É necessário antecipar suas reações, é necessário aparentar que o conhece profundamente, ainda que nunca o tenha visto. Provocar a sensação da intimidade milenar. Não em termos biográficos, nos termos da infinitude do momento. Tudo o que este demonstrar no momento é matéria factual, inconteste. Como que sugando o outro para o aqui e agora, corporificando um reflexo, um estímulo à ancoragem deste outro neste instante. Ser observado desperta a consciência do corpo presente, da qual resulta uma inevitável descarga de prazer. É o teatro do avesso, filho carnavalesco, prática da máscara reflexa a revelar a máscara geral. Este outro, espectador mascarado, só poderá sorrir, já que o disfarce é signo da festa, evento que escava nos corpos saudade. 

2. Há no entanto uma dimensão temporal no papo de brinquedo. Trata-se do agora, sim. Porém o agora anda. A atenção empenhada não aponta ao subjetivo deste outro, embora o cubra de confetes. É a atenção arqueológica de uma breve relação.  Faça lista  e enumere hesitações, desconcertos, malentendidos e cumplicidades. O brincante há de erguer diagramas que contenham tudo que se possa coletivamente recordar. A arte do brinquedo é dinâmica, de percurso cíclico. Trajeto que, ao evidenciar que desenhamos a história juntos, aquece esta intimidade de feira. 

3. Contudo o papo de brinquedo só existe através da arte do ocultar. Não para manter nada oculto. A graça do mistério é seu caráter narrativo, sua vocação para a luz do dia. Um mistério há de se desnudar, pois somente elucidado cumpre consigo, com sua sina. Entre esconder e mostrar se goza. Já diria a cópula. Em termos de tática:
De uma bobagem completa qualquer se acena o rabicho, via de regra patético, por vezes incompreensível. É de bom tom ser alvo de chacota pela besteira dita, assim como corporificar a decepção pela falta, ao que deve seguir, sob a intuição do máximo contraste, o descortinar desta bobagem plena, em todos os sentidos desconforme com o rabicho ora apontado, como se toda pequena bobagem guardasse uma imensa bobagem dentro de si. E voltando-nos sobre o que dissemos para constatar incongruências, voltamos à intimidade, estamos. Se o que não está aqui não nos assombra, nos sentimos em casa.
4. O papo de brinquedo, como se pode perceber, é uma atividade coletiva. Brinca-se a dois ou mais, sem limites, assim como sem noções de atividade/passividade. Pode-se convidar alguém para brincar como se convidam nos bailes de salão. Aceito o convite, já não se sabe quem é Colombina, quem chora no meio da multidão.

5.  No brinquedo se comunga de um tempo emplumado despido das vestes pesadas do resto do tempo.
C. P. F. - Caio Poeta Fariseu

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