14 julho 2011

Peixaria

Latas de sardinha fazendo curvas pra esquerda, pra direita, sardinhas malucas desenfreadas perambulando e tossindo em congestionamento, gesticulando pra outras latas e suas respectivas sardinhas presas a invólucros prateados metálicos oleosos. Lentamente o sol vai lambendo o peito das capotas enfileiradas durante todo o dia, ofuscando a vista dos despercebidos, chamando pra si a atenção dos distraídos, dizendo quase nada, só que de cá passa pra lá em movimento elíptico, singelo, e tão efêmero quando acarinha o horizonte. Mal, o cheiro de peixe ao sol, ainda assim estalado no asfalto, fora d’água a debater-se entre cotoveladas de multidão, correção de formigas bípedes que se trombam e não se comunicam, quase nem trocam calor, sem uma mínima percepção de feromônios flutuando em trilha, nem ao menos pra admirar o rabo de saia passando adiante, às vezes atravessando. Mas quando pode-se parar pra pensar no bacalhau andante, a coisa muda de figura. A metamorfose é instantânea, que de um borrão no meio de borrões nada a distinguir pra um fisiognomonista, um babão tarado lobisomem agora uiva a luz de lua cheia e o nada não o atravessa sem sua devida atenção, mais um maníaco pros noticiários sensacionalistas, d’antenas atentas.
Parece que ouve-se cada vez menos por aí notícias de óvnis pela atmosfera terrestre. Desconfia-se da falta de interesse alienígena pela raça humana, afinal, o que é que mais que estas cobaias poderiam inventar de fazer no fim dos tempos? O novo não me choca mais. Nada de novo sob o sol. Eis o argumento que não quer calar. E olha que por mais que se procure entre radiações eletromagnéticas, a princípio através de Heinrich Hertz, posteriormente de Orson Welles, paira uma sensação de vácuo nas perspectivas otimistas de messias pós-modernos andarilhos pelas ruas abandonadas de qualquer que seja o quê que é que vai resolver procurar a cura pras novas doenças psicológicas da vida na sociedade contemporânea. Sensação de sufoco, alucinação coletiva.
Vai saber? Talvez uma tecnologia vinda de alguma fagulha de meteorito de outra galáxia ajude a uma raça tão desesperada a criar uma lata de sardinha à prova de explosões atômicas. Talvez assim cada um que trancado dentro de sua respectiva lata possa, depois de colar uns fumê no vidro, ligar um rock’n’roll no talo pra ensurdecer e estourar os próprios tímpanos, justifique o egoísta e impulsivo incentivo caótico da indústria automobilística, e o consumo de petróleo (que por hora inunda as latas de sardinha) e suas tantas guerras patrocinadoras de dívidas geradas por empréstimos financeiros pra cobrirem-se da cabeça aos pés, até os dentes, com armamento bélico, x-burgueres e cosméticos. Aí sim, que tudo vá pros ares! 

 R.G.

Alavancado de Tétrica culinária.

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