04 outubro 2014

Vestígios do Vício


Minha casa ainda cheira
suas cinzas abraçam cortinas, talheres, travesseiros e fronhas.
O antiquário dos tocos seus,
bitucas, bitocas,
conserva chamuscado o bafo úmido do seu bigode.
Cravadas na pele rugosa, nossas letras sobreviveram,
L & M, ao que um dia ardeu.

A boca transversal e aberta a tragar-me.
Traga-me você.
Estrago eu você.
Bocal a engolir e mastigar.

Seus olhos são operas mudas desajustadas,
lanças a perfurar meu rosto movediço.

Quaisquer pés a montar meus calcanhares,
estampam vertigens nas colchas e coxas.

Penetram-me todos:
boca, olhos, pés e homem.

Sufocada respiração: com pulsátil movimento.
Já sei de cor o som dos seus pulmões viciados,
o grunhido seco do seu prazer contido,
o peso safado das suas mãos na minha cintura.
Tenho 22 anos, unhas roídas, 4 irmãos, um estômago de pedra e
nenhum amor correspondido.

Chupo o caroço da manga sem tirar os fiapos dos dentes
mergulho ao fundo do poço para beber a última gota de néctar.

Conheço o ofício da ferida de adeus.
É preciso expelir todo pus e sangue
sem band aid nem Merthiolate.
Expelir até secar.
Eliminar é impossível, cicatrizar.

Vê o amor do alto da colina.
Enxerga ovelhas onde é pasto.
Com dentes e dedos ordenha a terra.
Esfarela.

Esfumaçada ausência,
solitário vicio meu ao aspirar os vestígios do seu.




Agosto 2014
M. ERATO



Alanvacado de Poema Conto.





Um comentário:

  1. Achei muito lindo,
    Me alegrou de um jeito especial que tenha sido inspirado em um poema meu que tenho muito carinho.. Apesar de esses caminhos de amores mal correspondidos fazerem desse poema agora uma lembrança triste...

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