08 julho 2015

Você sabia que era B.O.

O lustre pendurado baixo por uma corda deixava soltos no ar os cristais como pingos e era fácil ver que chovia. Atrás do arquivo de quinas enferrujadas a camiseta escolar, rede municipal, mal cobria os corpos franzinos, inchava em soquinhos nas barrigas, arfar da batalha. A maior, uma menina, trazia a mão uma lâmpada fluorescente em formato de bastão, espadachim de golpes lentos e precisos, o olhar vidrado na nesga de luz que escapava à muralha de máquinas de costura, mesas de escritório, bichos de pelúcia, estátuas, abajures, lousas, televisores inutilizados e úteis. Se o ponto de luz piscava, por estar em caminho de pombo, ou de nuvem, pela entrada de um cliente, pelo balançar inexplicável de um lustre, e quanto movimento inexplicável em meio a tantos objetos inanimados, a mão pequena abraçava um pouco mais a base de sua espada cilíndrica e se punha a ponto de salto, que cravava a iluminação no vagalume maligno, bibelô de pilha de retrovisor, na retaguarda o irmão com uma pá, ela por parte do bem, o enorme inimigo etéreo por parte do desconhecido. Cravava cheia de fúria justa no varal de penduricalhos aleatórios cada caco de sua angústia. A derrocada do oponente não tarda, e ao se virar ela mira os ventiladores de fábrica com olhar de conclusão, moinho seu, meu, espada à mão, a dupla ataca o vento o plástico o metal, desaba ser que gira e não caminha, peca de não sair do lugar. Vitória.
Cada objeto com sua sombra e seu passado. O vício de todos de ainda servir mas não praticar. Admirar a relíquia que chega e que vai, eleger um presente dentre o diverso, o afeto ao avesso aberto em diagonais. Estátuas baratas em gesso testemunharam a luta encarniçada contra o vagalume maligno e as asas de vento infernais.

C. P. F. - Caio Poeta Fariseu


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