26 dezembro 2014

Sobre teatro e grades

 Todo preso é um especialista em escapar. 

Estamos acostumados a dissimular. Quem vive preso, encolhe no seu jeito a máscara, e está sempre aqui e lá. Nunca confia no que diz, mas de repente aparece presente, e na verdade, já estava, esteve sempre lá.
Quão maior seja a barreira imposta, a castração nos custa o acesso livre à gratuidade. A vida pesa e o cinismo sem fim se apresenta lúcido. Duvido é regra e só quero saber de todos os meios por onde escapar. Isto como método da vida. A arte de se defender de guarda aberta. Jogar o jogo contra si.
E aquele momento do se talvez não, da experiência, do peraí, do nem pensar peraí, do avulso, encontra  como seu obstáculo extremo fazer desertas as reservas, todo o cálculo do ato, aquela permanente premeditação.
Porém, digo aqui de passagem, que essa nossa mesma mente dúbia, a do oprimido, daquele em que cada palavra cala seu verso opressão, em que a distância dita o compasso (estamos perto, sim, é verdade), digo aqui que não é mente, e não é mesmo. Daqueles que vivem presos dizem que são animais, com isso dizendo, é corpo. Um pouco de sábio na boca do porco. É corpo sim. É corpo.
E me digam o caminho pra fazer um coração preso, dentro de um corpo preso, pensar em não ter controle, e no jogo cair vazio, voar escorrendo no chão ou brincar de ser outra pessoa. Pessoa? Como? Se o “você não é ninguém” vem registrado em nossa identidade? Como assim ser outra pessoa?
É o malandro-espelho, me veja e te vejo de volta. Para tudo há troca. Não dou nem recebo impune. E quando vimos já somos simulacros do espetáculo do revide, e mais que tudo, da defesa.

 Sou um cofre forte, afastem. Das possibilidades guardo a maior quantia. Por meu olho mágico elas observam, espevitadas para sair. Com minha boca de cofre sorrio amarelo. Vire de costas! E já não cofre, mas todo pessoa, olho para ti e para tudo sincero.

Nessa malandragem mora uma compreensão aguda do jogo e da própria presença. A boa mentira é meia-verdade. Porém se ausenta a consciência do entrar no jogo, pois esta pressupõe que se estava fora do jogo. Mas se tudo flutua, sempre, onde existe um solo identitário?
A posição do opressor  implica uma identidade. A toga, o cetro, a palavra, cada alegoria, toda distinção. Tornar-se distinto. É uma marca não ser oprimido. Uma marca que não dói lembrar. Ou seja: assim se é.
Mas e quando, esse quando que falo, autoconsciência se confunde com masoquismo? Ser é para quem tem? A identidade do oprimido mora na instabilidade da luta pra deixar de ser o que é. Isto é: no caminho, na viela. Ser é para quem tem, e sobra o sonho de si como gente. Sonho vago, desserviço. Preenche mas preenche com bloqueio. Pois esse vazio de ser é um dom, é um meio. Ao trecho do meio chamamos: espaço de transformação.

C. P. F. - Caio Poeta Fariseu

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