aqui está o carnê.
obrigado.
obrigado senhor por comprar conosco.
escuta, deixe eu lhe dizer.
por favor.
sabe, isso de pagar no carnê, de parcelar as compras, 1
parcela por mês?
isso senhor, uma por mês.
me dá um negócio.
oi?
dá um não sei sabe?
não sei.
sabe?
senhor...
aqui ó...
senhor...
eu curto muito comprar. é o que me sustenta sabe? em muitos
sentidos. você por exemplo, aqui, me dando este carnê...é sexy sabe?
senhor.
comprar é um prazer. você me entrega este prazer parcelado.
em um prazo fixo eu vou lá e pimba. pago. cada vez um pouquinho mais, até...
até o senhor quitar.
é preciso se segurar, quitar só no limite. fica calma, respira comigo...
senhor.
imagina, aquela tv ali ó, só imagina. fosse moça a tv. uma
pitchula. de vestido. chego aqui amanhã, ou daqui a 30, 60, 90 dias. ela já
dorme comigo. no meu quarto. todo esse tempo. já a sinto. mas o ritual, vir
aqui, e o que isso representa para eu e ela em nossa vida comum, uma parcela,
como fosse uma parte de sua estrutura que enfim me chega inteira, no que
concerne ao desfrute, o tubo, os botões, despindo a tela tanto a tanto, essa
nudez esclarecida, e você me dá esse carnê, logo fico contigo na lembrança e
involuntariamente você virá à tona em mim quando esfregar meu controle
remoto...
o senhor está parcelando uma churrasqueira.
tudo bem, não muda nada, a carne, o carnê, come on baby,
frente a outras mercadorias a carne é
discreta, posso pô-la na boca no meio de todos, mordo e sugo o caldinho...
o senhor pode se
furar com esse espeto de churrasco na boca.
comprar é uma dor, eu compreendo isso. eu deixo que me
penetre, é algo que você dá e recebe em troca, quanto mais dá mais recebe, em
qualidade, em quantidade, se souber comprar, eu vejo algo de doação, de
simbiose, os nossos fluídos, o fluir da mercadoria...
não posso conversar agora que tem fila moço. mas você pode
olhar melhor a tv mais tarde, saio daqui umas 21h...
posso pegar no controle?
não sei, vamos ver o que rola...gosta de apertar botões?
eu fico zapeando, com a ponta do dedo, com essa base aqui,
tá vendo? leve, quase um carinho, os
canais deslizam, aumento o volume, seus lábios me lembram uma entrada de vídeo...
hum...me sintoniza. senhor, aquela senhora aguardando ali
atrás. não está com uma boa expressão. ela parece que vai desmaiar, conversamos
depois, ok?
quero fazer com você tudo aos poucos. to teso com crediário, credora safada, te
quito de jeito...
próximo!
o senhor me dá licença?
calmaê senhora. deixa eu só falar um instantinho aqui que eu
to devendo. vou te levar no SPC, com meu carnê na mão, com minha mão em
você...e-le-tro-e-le-trô-ni-ca, suor, vou pagar três parcelas sem tirar de
dentro...
ai, me segura...
segura ela moço!
vixi, a véia desmaiou...
o senhor segura ela aí que eu vou chamar o gerente...
vai lá, novinha, toma-te o lucro, me suga que eu sou
consumidor...
ai...
acorda véia! vai lá se lambuzar com o seu crediário!
não...rapaz...me segura mais forte, assim. você deve bem...é um
devedor...um devedão! ninfo. te proponho um trato amigo. te pago tuas ganas até que me arrebente, e não
demora muito obsolescer pra sempre este corpo senil. é isso que digo. me mata
de amor e então para sempre me paga o jazigo.
o que fazer?
não há o que pensar. vamos. pagar sua morte, todas as
parcelas, só de ouvir me tonteia, me dá calafrios...crédito bruto, a morte me
endivida e a vida é sorte se sua morte nos une eternamente.
C. P. F. - Caio Poeta Fariseu